terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Corpo e sua eterna juventude

Embora o corpo seja supervalorizado no mundo moderno a ponto de ser idealizado como um corpo padrão muitas vezes irreal, a nossa cultura ainda guarda resquícios de um platonismo grego que o dividia em corpo e alma, em material e intelectual, mortal e imortal. Assim, o corpo foi na antiguidade compreendido como a parte mortal da nossa subjetividade suscetível ao envelhecimento, à morte e a degeneração progressiva. Enquanto, a suposta alma seria nossa parte imortal e divina, não sujeita à morte, nem a degeneração. Com efeito, tudo que estava relacionado com o corpo, era tido como perverso e negativo, haja vista a concepção negativa que o sexo teve dentro da história, simplesmente pelo fato estar relacionado com a noção do corpo.
Com a modernidade a noção de alma foi sendo abandonada, e o que ficou foi o corpo como um fenômeno total do sujeito humano. A alma não é fenômeno uma vez que não aparece aos nossos sentidos, mas o corpo é o fenômeno mais imediato e fundamental que temos, tanto é que ele é condição fundamental da nossa existência, além de ser por meio dele que nós tomamos consciência dos fenômenos fora de nós, os quais se encontram no mundo a nossa volta.
Logo, se o nosso corpo é um fenômeno que aparece para nós e nos permite perceber o mundo, tal percepção do mundo só se dá pelo fato de que nosso corpo sente, ou seja, ele possui uma sensibilidade que é a sua capacidade fundamental. Antes pensar que temos uma alma, de ter uma personalidade o nosso corpo sente, mas não sente do mesmo modo.
 Existem basicamente dois modos de sensibilidade em nosso corpo. A sensibilidade somática pela qual temos uma relação direta com o mundo fora da nossa subjetividade, aquela que toca os nossos cincos sentidos, como ver um objeto, ouvir um som, tocar em algo, isso tudo se refere à sensibilidade somática. O outro modo de sentir é psíquico. Este modo, ao contrário do somático que implica numa sensação externa dos objetos, trata-se de uma sensação interna, não sendo imediata, mas mediada pela linguagem em geral, a qual nos permite ter sentimentos negativos e positivos, como ódio e amor, tristeza e alegria, angustia e estado de bem estar. Tudo isso ocorre no corpo não numa alma que está separada dele como o platonismo passou a compreender.
Com efeito, o corpo passou a ser compreendido como a totalidade do nosso ser, não somos seres divididos sob o ponto de vista corporal, somos um só ser. Um ser que nasce com um corpo ainda não formado e sem muita especialização, mas com uma versatilidade que difere de todos os outros animais, sendo capaz de manipular seu corpo nos mais diversos movimentos.
Do mesmo modo que temos o poder de manipular o nosso corpo, nós também manipulamos o mundo a nossa volta de modo a criar facilidades para a vida humana. Todavia, isso revela que basta você submeter o corpo a determinadas regras que você irá submetê-lo a uma determinada disciplina. Isso foi muito bem percebido pela sociedade moderna que passou a criar um mundo cuja finalidade primeira era sujeição do corpo, uma vez que assim fazendo, submeteria também o sujeito, privando este de uma liberdade.
Esta centralidade do corpo no mundo atual desembocou numa exaltação da condição puramente somática do corpo. O que vale é o que o corpo parece, não o que ele sente. O corpo tem que parecer belo, esteticamente dado dentro da regra, do padrão estabelecido, pois do contrário tal o sujeito será estigmatizado por preconceitos dos mais diversos. Logo, tal padrão se demonstrou irreal, pelo fato de fixar padrões idealizados de corpo e uma tendência de imortalização da aparência juvenil. O corpo não pode mais envelhecer ele deve parecer sempre jovem, mesmo que já se sinta velho.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Senhor Capital nosso deus


È notório perceber que o “Senhor Capital”, ou seja, o mercado se fundamenta na noção de exploração. Ele não sobrevive como sistema econômico sem arrancar recursos da natureza o que supõe a constante exploração da vida que lhe dá os recursos materiais que necessita, sem explorar o trabalho que manipula tais recursos materiais os transformando em mercadoria. Juntamente com o trabalho que era entendido como atividade concreta, agora um novo campo de exploração do capital é o trabalho intelectual. A Era do Conhecimento em que vivemos supõe que o conhecimento se tornou o elemento fundamental para produção e reprodução do capital. Sem conhecimento o sujeito humano não tem os pré-requisitos para ser explorado o que supõe a sua exclusão.

Recursos naturais, trabalho e conhecimento são atividades que o capital explora de modo positivo, no sentido em que são atividades produtivas. Contudo, o capital também explora a consciência de um modo negativo, uma vez que requer a sua inibição para o consumo, no qual o capital reverte toda a sua condição produtiva em lucro. Logo, a força do consumo está no desejo que explora a irracionalidade. O sistema não se funda mais na noção de suprir o que nos é necessário, que é racional, mas na ideia do que é desejável. Com efeito, o que é desejável é constantemente fabricado e reproduzido e anunciado como necessidade, como se a vida não pudesse seguir sem o produto que se anuncia.

Segue que o capital tem na publicidade e propaganda o seu aparelho ideológico que tem por fim fabricar desejos. Tais desejos são fabricados por meio da alienação e da produção do fetiche. A alienação por fazer o sujeito humano ver somente um ponto da realidade, não a realidade enquanto um todo, o que o torna ignorante da realidade do seu mundo e de si mesmo, de modo que não se torna capaz de diferenciar aquilo que lhe é necessário daquilo que lhe é tão somente um desejo. O fetiche por sua vez é aquilo que em muitas vezes cria a alienação, pois tende a conferir à mercadoria de consumo uma poder mágico que não possuí de fato. É uma idealização da mercadoria, ela na verdade é só um elemento concreto como outro qualquer, mas é construída como portadora de poderes que trazem a liberdade, a felicidade, o prazer, a paz, sensações psíquicas que o consumo de tais mercadoria daria aqueles que consomem.

Deste modo o capital explora tão somente a nossas condições sensíveis que são mais vulneráveis ao encantamento e a sedução do prazer, o que tende a inibir as nossas condições racionais que tendem a revelar a realidade.

Tal realidade é contraditória e irônica, pois ao mesmo tempo em que o sujeito humano cria tal sistema é explorado e submetido por ele. O criador deste ser divino que chamamos capital é o próprio sujeito humano que não se contentando  com aquilo que sacia suas necessidades se lança com ganância e ambição sobre aquilo que não é mais necessidade, mas simples desejo de expandir continuamente e acumular.

A mola que impulsiona tal desejo de acumular e expandir dentro de uma ordem de progresso é a tecnologia que inova e descarta numa velocidade vertiginosa não permitindo que os sujeitos humanos estejam satisfeitos nem por um segundo. Ademais, o seu fim é criar de modo constante e ininterrupto a insatisfação. A satisfação é o estado de felicidade, a insatisfação é estado de prazer. Assim, tal deus capital, não promete a felicidade, mas o prazer que se esvazia num instante e logo dá lugar ao nada, que por sua vez pede novo preenchimento oriundo da insatisfação. E assim seguimos de vazio em vazio, o que nos promete o um futuro doentio.