Embora o corpo seja
supervalorizado no mundo moderno a ponto de ser idealizado como um corpo padrão
muitas vezes irreal, a nossa cultura ainda guarda resquícios de um platonismo
grego que o dividia em corpo e alma, em material e intelectual, mortal e
imortal. Assim, o corpo foi na antiguidade compreendido como a parte mortal da
nossa subjetividade suscetível ao envelhecimento, à morte e a degeneração
progressiva. Enquanto, a suposta alma seria nossa parte imortal e divina, não
sujeita à morte, nem a degeneração. Com efeito, tudo que estava relacionado com
o corpo, era tido como perverso e negativo, haja vista a concepção negativa que
o sexo teve dentro da história, simplesmente pelo fato estar relacionado com a
noção do corpo.
Com a modernidade a noção de
alma foi sendo abandonada, e o que ficou foi o corpo como um fenômeno total do
sujeito humano. A alma não é fenômeno uma vez que não aparece aos nossos
sentidos, mas o corpo é o fenômeno mais imediato e fundamental que temos, tanto
é que ele é condição fundamental da nossa existência, além de ser por meio dele
que nós tomamos consciência dos fenômenos fora de nós, os quais se encontram no
mundo a nossa volta.
Logo, se o nosso corpo é um fenômeno
que aparece para nós e nos permite perceber o mundo, tal percepção do mundo só
se dá pelo fato de que nosso corpo sente, ou seja, ele possui uma sensibilidade
que é a sua capacidade fundamental. Antes pensar que temos uma alma, de ter uma
personalidade o nosso corpo sente, mas não sente do mesmo modo.
Existem basicamente dois modos de
sensibilidade em nosso corpo. A sensibilidade somática pela qual temos uma
relação direta com o mundo fora da nossa subjetividade, aquela que toca os
nossos cincos sentidos, como ver um objeto, ouvir um som, tocar em algo, isso
tudo se refere à sensibilidade somática. O outro modo de sentir é psíquico.
Este modo, ao contrário do somático que implica numa sensação externa dos
objetos, trata-se de uma sensação interna, não sendo imediata, mas mediada pela
linguagem em geral, a qual nos permite ter sentimentos negativos e positivos,
como ódio e amor, tristeza e alegria, angustia e estado de bem estar. Tudo isso
ocorre no corpo não numa alma que está separada dele como o platonismo passou a
compreender.
Com efeito, o corpo passou a
ser compreendido como a totalidade do nosso ser, não somos seres divididos sob
o ponto de vista corporal, somos um só ser. Um ser que nasce com um corpo ainda
não formado e sem muita especialização, mas com uma versatilidade que difere de
todos os outros animais, sendo capaz de manipular seu corpo nos mais diversos
movimentos.
Do mesmo modo que temos o
poder de manipular o nosso corpo, nós também manipulamos o mundo a nossa volta
de modo a criar facilidades para a vida humana. Todavia, isso revela que basta
você submeter o corpo a determinadas regras que você irá submetê-lo a uma
determinada disciplina. Isso foi muito bem percebido pela sociedade moderna que
passou a criar um mundo cuja finalidade primeira era sujeição do corpo, uma vez
que assim fazendo, submeteria também o sujeito, privando este de uma liberdade.
Esta centralidade do corpo no
mundo atual desembocou numa exaltação da condição puramente somática do corpo.
O que vale é o que o corpo parece, não o que ele sente. O corpo tem que parecer
belo, esteticamente dado dentro da regra, do padrão estabelecido, pois do
contrário tal o sujeito será estigmatizado por preconceitos dos mais diversos.
Logo, tal padrão se demonstrou irreal, pelo fato de fixar padrões idealizados
de corpo e uma tendência de imortalização da aparência juvenil. O corpo não
pode mais envelhecer ele deve parecer sempre jovem, mesmo que já se sinta
velho.