por Ricardo Urizzi Carvalho
De fato, o suposto silogismo não fecha numa conclusão evidente, pois não temos nele, pelo menos de modo explícito, um termo médio, nem está absolutamente dado em sua formalidade integral como foi pressuposta por Aristóteles a mais ou menos 2361 anos atrás na Grécia Antiga. Contudo, ele deixa implícito, o medo velado ideologicamente de uma parcela da sociedade brasileira que julga ser privilégio dela a condição de pensar o curso da história do país.
Talvez, tenha mais que isso implícito, a recensão de um espírito autoritário que seja resquício da “ditadura branda” que mandou para o ostracismo do currículo, disciplinas consideradas perigosas para a suposta coesão nacional forjada arbitrariamente por esta mesma parcela da sociedade.
Ou deve-se considerar ainda, o medo mais evidente e próximo, dado ao fato dessa mesma parcela da sociedade assistir as convulsões em todo mundo na busca de uma democracia real como aquilo que se convencionou chamar de “primavera árabe”, ser desatada também aqui pelo ganho de espaço no currículo de disciplinas cuja crítica ao status quo da sociedade estejam em seu cerne.
Esta parcela da sociedade privilegiada que tão solicitamente assume o papel de pensar o nosso país, tem o seu arauto, ou seja, o seu atalaia que sempre está pronto para sinalizar o perigo. Acerca disso é possível ser mais realista, esta “casta” tem vários arautos e atalaias que evocam sua defesa. Um desses guardiões da verdade hegemônica não deixou passar desapercebido um perigo iminente. Qual seria este perigo? O aumento da carga horária de disciplinas de conteúdos críticos no currículo do ensino médio como é o caso das disciplinas de filosofia e sociologia.
Que a Folha de São Paulo seja um jornal reacionário, não é novidade para ninguém. Haja vista sua história recente, ou mesmo sua história passada. Mas o que foi exposto no seu editorial do dia 30/09 é de causar uma perplexidade asquerosa.
O editorial intitulado “Mais matemática” é o reflexo do medo à desmassificação das massas. O editorial critica as intenções do governo estadual de fazer cumprir uma lei federal que pressupõe o equilíbrio dentro do currículo das três áreas em que estão baseadas o ensino brasileiro: Linguagem e Códigos, Matemática e Ciências da Natureza e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Está última em especial, sempre esteve a reboque das outras, embora fosse desde a antiguidade a mais valiosa para a humanidade.
Uma vez que, enquanto as outras são tão somente meios, as ciências humanas são aquelas que pensam os fins, enquanto que matemática e português, diga-se de passagem, sejam disciplinas que o discente tem contato desde o primeiro instante em que entra na escola, são técnicas, a filosofia e a sociologia são as disciplinas que pensam a cultura e a civilização que se forjam através de tais técnicas.
Qual seria então o medo implícito neste editorial? A possibilidade de libertar os discentes da técnica massificante que tem demonstrado a sua ineficiência até mesmo nos programas de avaliação tecnicamente arquitetados para verificar se a massificação tem sido eficiente. Massificação que os discentes acabam por resistir, não suportam mais tanta aula de matemática, uma vez que a técnica, ensina a fazer, sem ser capaz de dizer por que fazer. Peça para um professor de matemática definir o que é matemática e perceberá o embaraço. Sabe fazer cálculos, mas não sabe definir a própria disciplina de maneira conceitual.
Com isso, não se defende aqui a desqualificação de tais disciplinas ou dos profissionais, mas de enfatizar que elas em si mesmas, em suas técnicas, não são eficientes. Assim surge a necessidade de abrir espaço para as ciências humanas que podem auxiliar na grande relevância das técnicas para promover uma cultura e uma civilização mais humana e justa, bem como mais sustentável.
É notório que o referido editorial ataca justamente as disciplinas de filosofia e sociologia, e não outras que ganham também maior espaço na grade, como é o caso de química e física, bem como espanhol. Qual a razão disso? Por que perseguir justamente as disciplinas que pressupõe maior exercício crítico? Ora, não queremos ver em perigo o nosso admirável mundo velho da massificação técnica. Não se pode abrir espaço para questionamentos, quando se quer somente a reprodução. Então, mais matemática, mais técnica e menos humanidade.
Nega-se a hipótese de que alimentando a humanidade a técnica tenha uma finalidade, um porque de ser, isto é, um sentido e uma eficiência. Não para a mera reprodução, mas para a recriação de um mundo distinto em que os homens, sobretudo, aqueles defensores de mais técnica não tenham o monopólio da decisão.